Sunça lê Gibi | O Alcazar | Simon Lamouret
Sociedade, Classes e DESIGUALDADE
SUNÇA LÊ GIBI
Sunça
3/16/20223 min read




Sociedade, Classes e DESIGUALDADE
Estamos na Índia, em um bairro residencial da alta sociedade no canteiro de obras do edifício Alcazar. O francês Simon Lamouret morou cinco anos em Bangalore na Índia, de sua experiência no país ele produziu dois projetos, Bangalore em 2017 e Alcazar em 2020.
Nessa HQ acompanhamos Mehboob, sua esposa Salma e seu cunhado Rafik. Eles trabalham desde o início da construção, inclusive vivendo em condições precárias na própria obra. Trina é o chefe imediato deles, um mestre de obras cheio de esquemas e que não pensa duas vezes em impor mais trabalho, pagar menos dinheiro e explorar seus trabalhadores. O engenheiro do edifício é o jovem e inexperiente Ali. Mais ao final da obra conhecemos também os azulejistas formados por um grupo de hindus conservadores. O comando do canteiro de obras é de um jovem e rico construtor que constantemente se apoia na influência do pai.
Porém o personagem principal é o edifício Alcazar. Ao redor dele conhecemos os outros personagens, que vivem momentos felizes, tristes, trágicos e até mesmo cômicos. Eles nos apresentam a diversidade cultural que existe naquele país e de maneira inteligente nos mostram a diferença de classes presente na Índia. Do momento em que o terreno é limpo e preparado para a construção, até o prédio pronto e repleto de moradores, somos apresentados às classes sociais do país. E dentro desse recorte, um canteiro de obras, nasce a metáfora de uma sociedade. No momento inicial temos os mais pobres, trabalhadores explorados que não vislumbram um futuro promissor. Eles limpam o terreno e começam a construção em um bairro rico e burguês. À medida em que a construção sobe, também subimos as classes sociais, personagens mais afortunados vão surgindo até chegarmos nos verdadeiros donos do dinheiro, com vida boa e promissora quando o prédio está pronto. É uma desigualdade social absurda.
Os desenhos são lindos. Simon Lamouret opta por explorar expressões e características mais caricatas para seus personagens, porém para o prédio, sua arquitetura e construção os desenhos são mais realistas e através de belos splash pages podemos acompanhar o andamento das obras de nosso personagem principal. A narrativa caminha muito bem, sempre cuidadosamente marcando o ritmo e a passagem de tempo da história. A paleta de cores marcada pelo azul e laranja contempla bem as sensações e emoções transmitidas além de fazer um ótimo trabalho de ambientação para o gibi.
O quadrinho funciona como um retrato da Índia, suas línguas, religiões, castas e relações de trabalho. Conhecemos os costumes e hábitos da Índia dos dias atuais. Percebemos como para eles a disparidade salarial é comum e esperada. Salma recebe menos que o marido para trabalhar na obra e faz as tarefas domésticas. Tudo isso enquanto está grávida.
É uma realidade triste, real e dura. É perturbador saber que tamanho absurdo acontece em algum lugar do mundo, e mais perturbador ainda as diversas semelhanças com o nosso país e a nossa desigualdade social.
Índia, dias de hoje, em um bairro residencial de uma cidade grande.
No canteiro de obras de um edifício, coexiste uma dúzia de personagens de todo o país: Ali, o jovem engenheiro inexperiente; Trinna, um capataz intransigente; Rafik, Mehboob e Salma, operários provincianos que sonham com um futuro melhor... além de Ganesh e seu bando de azulejistas rajastanis, hindus conservadores que engrossam as fileiras desse canteiro supervisionado por um jovem e rico construtor.
Este livro oferece uma visão microscópica da Índia contemporânea, onde línguas, religiões, castas, chefes e empregados se misturam numa precariedade sempre carregada de um ar tragicômico. E, à medida que o edifício se eleva laboriosamente, os sonhos e as ambições de cada um colidem e se entrelaçam nessa paisagem humana e urbana de tirar o fôlego.
208 páginas – 2021 – Nemo
Formato: 20,5 x 27,5 cm | Colorido | Português
Publicado em 16/03/2022
Nota do Sunça:





